Eu só queria um dia de lazer: Racismo e sexismo na praia.-COLETIVO CARA PRETA - COLETIVO CARA PRETA

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Eu só queria um dia de lazer: Racismo e sexismo na praia.-COLETIVO CARA PRETA





Eu só queria um dia de lazer: racismo e sexismo na praia.

Era um dia comum de domingo e me programei dias antes para que tudo saísse perfeitamente como almejado. Há anos mantenho um relacionamento a distância, algo interestadual  e todo os meses viajo para casa da minha namorada. O domingo amanheceu pedindo praia e sem pestanejar, pesquisamos uma praia em João Pessoa para curtimos, só não contávamos com o misto de racismo, opressão de classe e sexismo que iria recair sobre nós de uma só vez.
Não vou dizer que isso é novidade na vida das mulheres negras quem mantém um relacionamento fora do mundo hetero normativo e que descartam possibilidade de vivenciar um papel secundário no amor ou cumprir o papel imposto socialmente da mulata exportação, que agrada os olhos de turistas em um domingo de lazer em um ponto turístico. Como todo casal no mundo em um domingo ensolarado, nós só queríamos um pouco de paz e vivenciar o nosso amor tão revolucionário quanto qualquer outro não padrão que ousam se amar intensamente, a gente só queria se divertir, mas logo no primeiro momento ao sairmos do mar sofremos com o sexismo de alguns homens com olhares pesados e insinuosos, e o fato de aparentarmos sermos um casal não foi empecilho para os assédios.
É uma afronta a ordem coloquial a não aceitação do desejo masculino sobre nossos corpos negros femininos, e estar em um  relacionamento afro lésbico é um ofensa aos que para exercer sua masculinidade compulsiva precisa demonstrar o desejo violento e invasivo sobre o nossos corpos. Esse primeiro fato nos deixou abatida,até batemos boca com alguns homens que apesar da nossa expressão de desconforto com a situação continuaram a nos assediar.
Decidimos ir almoçar em um bar-restaurante pra tentar espairecer e seguir com a nossa programação de ter um momento de lazer na praia, entretanto, assim que entramos no bar ao sentarmos já notei muitas risadas e celulares virados para o meu cabelo e para os meus traços negros, como a boca, por exemplo, eu não tinha certeza de nada nos primeiros minutos, mas já sentia o impacto do racismo me entristecendo. A minha namorada notou que para além do fato na praia, tinha algo me angustiando, perguntou o que estava acontecendo e porque eu estava tão calada e com o olhar baixo, respirei fundo e falei: eu tô sofrendo racismo! A indignação foi instantânea, ela se levantou como se fosse abordar o grupo racista na mesa do lado, pedi pra que mantivesse a calma, pois eu não queria cometer nenhuma injustiça, assim o fez, ela sentou do meu lado e logo que teve a confirmação de tudo que estava acontecendo naquele ambiente, nos levantamos e formos até a mesa afrontar o grupo de mulheres racistas. O racismo tem efeito de nos silenciar e quem o pratica sabe disso, eu não quis deixar a sensação de impotência tomar conta de mim e novamente como das outras vezes e me imobilizar. Ao passo que me levantei as risadas pararam, elas não contavam que iríamos até a mesa cobrar satisfação, elas estavam em três, em um ambiente totalmente embranquecido (o bar) éramos duas mulheres negras.
Formos até lá, expressamos com intensidade a nossa insatisfação e repulsa sobre a mesa delas, tínhamos o mesmo direito de ter um momento tranquilo em uma mesa de bar como qualquer um naquele espaço. Assim que falamos a palavra ‘’racimo’’ um outro grupo formado por pessoas brancas estrangeiras e brasileiras que não tinha nenhum envolvimento com a situação, muito menos estavam prestando atenção na ocasião, se levantou gritando: - NÃO É VERDADE! NÃO FOI RACISMO!
É incrível o quanto a braquitude (pessoas brancas) se alia visando a proteção enquanto grupo, mesmo estando aquém da circunstância, a necessidade de posicionar defendendo a soberania (privilégios) do grupo os unificou. Tivemos que discutir com as mulheres racistas, com o grupo de pessoas brancas que se levantou em defesa e lidar com o silencio total do bar que agia como se nada estivesse acontecendo.
Houve um momento em que depois de muito bate boca a situação acalmou, a nossa comida chegou e decidimos não sair do local, pagamos por aquilo ali, só não cotávamos que de cortesia receberíamos racismo. O grupo defensor ameaçava chamar a polícia, e tentava a todo custo fazer com que parecêssemos estéricas para o resto do bar. O grupo abordado por nós disse que tudo não passava de uma grande confusão, que elas estavam chapadas, e que não eram racistas. Uma delas quebrou o acordo firmado entre olhares na tentativa de saírem ilesas da situação e não perder a razão, e pediu para sentar na nossa mesa, pois queria se desculpar, permitimos e logo em seguida a mesma iniciou o diálogo dizendo que não sabia o quando doía o racismo mais que entendia o que estávamos passando, e só entrou na brincadeira porque pensava que as outras mulheres me conhecia (- que conversa pra boi dormir), ela até chorou dizendo que era branca, mas que o pai era negro e o irmão também e que essa situação poderia ser com eles. Eu já tinha 99% de certeza que era racismo a confirmação veio a galope. Eu não falei nada apenas escutei a minha namorada me defender dando um show de afirmação racial e das trajetórias cursadas por nós enquanto jovens negras em movimento. Apesar disso tudo, o fato de termos esclarecimento e debater o racismo diariamente, não faz com que a experimentação do racismo doa menos quando é com a gente, dói da mesma forma que qualquer outro corpo negro, com cabelos crespos e lábios fartos.
Eu só queria me divertir!  


POR: BIATRIZ SANTOS
19/12/2018

3 comentários:

  1. os absurdos que sofremos todos os dias, eu eu só queria me divertir. Triste isso, que massa vcs não se calarem

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  2. Bia minha amiga, meu amor, estarei com vocês sempre. De mãos dadas pq e assim que enfrentaremos o racismo. Gritando que nao, nao façam racismo conosco pq e assim que enfrentaremos o racismo. Debatendo e fazendo a sociedade pensar e pagar sobre o racismo, pq é assim que enfrentaremos o Racismo. Estamos juntas sim . E nao ao racismo, sempre

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  3. Acho engraçado as pessoas, como se ser branco fosse algo tão importante, tão supremo, existe racismo de todas as formas, preconceitos nítidos, contra negros, brancos, japoneses, gordos, magros, multilados e aí vai...eu tenho inveja dessa melanina que vcs negros lindos tem, dessa pele maravilhosa, desse estilo exuberante sou fã incondicional de pele deliciosamente negra parabéns a todos e todas e deixem essas pessoas imundas, ignorantes, vcs são lindos e lindas

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